Todo Dia {resenha}

David Levithan, 279 páginas, editora Galera Record, 2013.

“Queria que o amor conquistasse tudo. Mas o amor não conquista tudo. Ele não pode fazer nada sozinho. Ele depende de nós para conquistar em seu nome.”

A. acorda em um corpo diferente a cada dia e logo que abre os olhos, precisa acessar as lembranças da menta da pessoa que habita, para que possa levar uma vida que não fuja dos padrões daquela pessoa. Sua cabeça vive a mil: ao mesmo tempo em que precisa se portar como determinada pessoa se portaria, precisa fazer de tudo para que, no outro dia, quando a pessoa acordar “em si mesma” possa se lembrar do que aconteceu no dia anterior, e não ter a sensação de que passou um dia totalmente em branco.

E então, num dia qualquer, A. acorda no corpo de Justin, um garoto muito estranho que não se importa muito com sua namorada, Rhiannon. E, por sentir compaixão da garota, A. foge de todos os seus valores de não perturbar as vidas, e convida a garota para um passeio na praia. É o dia mais feliz do casal, mesmo Justin não sendo quem ele realmente é. Rhiannon se sente tocada e, em cada um dos momentos daquele dia, A. descobre mais e mais sobre a garota e começa a se apaixonar por ela, sentimento este, que nunca havia tido antes, em todas suas outras 5.993 vidas.

“Uma coisa é se apaixonar. Outra é sentir alguém se apaixonando por você, e sentir-se responsável por esse amor.”

Até aonde eu estaria disposta a ir por um amor? Essa foi apenas uma, das muitas questões que a leitura de Todo Dia nos permite. Num misto de pura originalidade e uma escrita fabulosamente tocante, o livro conseguiu arrancar de mim (e aposto que de muitos outros leitores) sentimentos bem intensos. É impossível ler e se sentir à margem do que se passa na história. Criamos raízes com os personagens e não é muito difícil se colocar no lugar de A., que nunca sabe se vai acordar perto ou não de sua amada, e que não sabe se ela vai acreditar na história de sua vida.

E não é só isso: o livro também aborda, de uma forma bastante provocante, a questão da religiosidade: “Como as pessoas usam o diabo para dar nome às coisas que temem”. Nathan, um dos hospedeiros, lembra-se vagamente de uma festa que foi enquanto A. ainda estava em seu corpo, para encontrar Rhiannon. Como o garoto é encontrado no acostamento, dirigindo o carro dos pais e sem ter consumido de bebidas ou drogas, ele afirma que foi possuído pelo diabo. A repercussão é tão grande, que o depoimento de Nathan torna-se a veicular em diversas mídias.

Ouso dizer que Todo Dia foi um dos livros mais originais que li. De uma leitura simples e que flui maravilhosamente bem, o livro me permitiu várias reflexões e sentimentos diferentes. O cuidado da editora também é invejável: tanto o trabalho artístico da capa, como a diagramação estão impecáveis. Não me lembro de encontrar nenhum erro. Conheci David Levithan após a leitura de Will & Will, onde, inclusive, me apaixonei por sua escrita, e desde então venho procurando ler os livros do autor, que me surpreende cada vez mais!

“É isso que o amor faz: que você queira reescrever o mundo. Que você queira escolher os personagens, construir o cenário, dirigir o roteiro. A pessoa que você ama senta de frente para você, e você quer fazer tudo que estiver ao alcance para tornar isso possível, infinitamente possível. E quando são apenasvocês dois a sós numa sala, você pode fingir que é assim que as coisas são, que é assim que serão.”